Adam Phillips (I)

De Adam Phillips, conceituado psicanalista inglês, a Angelus Novus acaba de editar Monogamia, notável conjunto de aforismos sobre um tema de abordagem no mínimo difícil. Que o resultado seja tão brilhante, só revela, para lá do específico saber acumulado pelo psicanalista, a qualidade da escrita deste autor elogiado por John Banville como «um dos melhores estilistas da prosa inglesa neste momento, um Emerson do nosso tempo». Acrescente-se que Alain de Botton confessou recentemente que Phillips foi o único autor ao qual escreveu uma carta de fã.

Começamos aqui a apresentar o autor aos leitores portugueses e fazemo-lo traduzindo um texto de Phillips publicado a 21 de Março do corrente ano no Guardian, numa série do jornal sobre «o quarto do escritor». A foto que ilustra magnificamente o texto é de Eamonn McCabe.

 

O quarto é a vista. Passei uma boa parte da minha infância olhando, com deleite, pela janela: o ir e vir dos pássaros, o tempo que parecia ser em si um acontecimento, e agora quando não estou a escrever olho pela janela de forma muito semelhante. O quarto está ali, pelo que posso esquecer-me dele e concentrar-me. Ele desaparece quando começo a trabalhar.

Felizmente, tenho muito pouco tempo para escrever e por isso quando para aqui venho é isso que faço; nunca leio ou pago contas ou faço telefonemas, pelo que nunca estou à espera de que qualquer outra coisa aconteça.

Antes de ter filhos escrevia aos sábados, e agora escrevo às quartas-feiras e pratico psicanálise nos outros quatro dias.

Nunca quis que o quarto fosse particularmente confortável ou o que quer que fosse de particular. A única cadeira que lá existe é aquela em que escrevo.

Há fotografias da minha família e postais de quadros – e duas imagens grandes encostadas à parede, o Flaming June de Lord Leighton e a fotografia do artista Leon Kossof por Toby Glanville – que gosto de ali ter. E muitos livros, sem qualquer ordem especial.

Na maior parte do tempo, o quarto tende ao caótico, porque a arrumação, aqui, transcende-me; é como se eu não gostasse de saber onde as coisas estão, gosto de que me venham ter à mão quando preciso delas. Quando os livros saem das estantes, muitas vezes não voltam para lá, pelo que tendo a usar aqueles que consigo ver num dado momento para aquilo que estou a escrever.

Ver o quarto a ser fotografado fez-me perceber que as fotografias de Mrs Bruce of Arnot, de Allan Ramsey, e de ‘Braiding Hair’, de Kitaj, estão sensivelmente de cada lado do computador, o que deve ser encorajador. Só consigo de facto escrever neste quarto, coisa que lamento. Sempre desejei conseguir escrever onde quer que me encontrasse. Num quarto qualquer.

aviador

Advertisement

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

%d bloggers gostam disto: